domingo, 6 de fevereiro de 2011

Soli(ci)tude


                               

I.                   Atrás de minha casa há um manancial. Das samambaias brotam sapos e brejos e as águas fazem córregos sob meus pés. Mas quem há de entender os lagartos? Quem de olhos-coruja espichados como os meus, espojando-se nos beirais da mata, onde araquãs fazem chuva e outras desimpotâncias de alumbrar os extremos de meu dia.

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando de esconder-se no capim da estrada.

Os ventos nesta paisagem chegam pelo lado esquerdo de quem assiste: eu estremeço só de pensar nas cantorias das aves ao amanhecer... São de asas o que te escrevo, menino!
Quando vir um bem-te-vi cuida que um sabiá te espia. Então espicha a língua e deixe-se embriagar pela gota de rocio. E mais esse dia passarinho em teu pequenino corpo.

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando de esconder-se no capim...

Da lesma um caracol faz velocidade eternal e é em tardes como essa que até andarilho assume cheiro de flor. De caracol o último que vi esculpia a rosa verde que pensei.

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando de esconder-se...

II – Tenho tantos medos pela infância de minha rua, menino! E não sei por quanto tempo ainda terei dedos nos olhos para apalpar a  voz das rãzinhas, o salto dos gafanhotos em meus sustos. As travessuras dos sebinhos, briguentos e mel...

- Corre menino! Corre ou não verás o preá brincando...

O primeiro ensaio da cigarra anunciou que se aproximava o verão. Mas sob a máquina o homem é vil e desaprende rápido o gosto que dá as florescências de cada estação. Peça-lhes menino que nos devolvam a Flor.

- Corre meninos! Corre ou não verás o preá...

III – Há noites tenho insônias e se durmo assaltam-me pesadelos: um chão monturo, meus pés descalços e sangrentos em terra árida.                 Brotam pregos enferrujados por toda a extensão daquilo que meu olhar afagou. E perdoa menino se ás vezes te acordo chorando!

- Corre menino! Corre ou não verás...

Das vozes da terra e das vozes das águas, a voz dos vôos... O percurso dos saltos, as quedas e os sobressaltos... Mais tudo que é de doer em mim, e perplexidades minhas. E deslumbramento teu, menino! Teus olhinhos podem ver? Mais alguém aí, vê!

- Corre menino! Corre...

Todavia nada ou ninguém me redimirá. Donde os olhos do preá singraram para fora da existência, eu não tive forças para segurá-lo no existir. E agora sofro essa desatinada ausência.
Então corro em círculos. Corro por estar correndo para tão longe de mim.

- Corre menino, por nós. Corre pelas asas de teus pés. E pelas que tenho, brancas, brancas de quase em si se partir.

        



Um comentário: