segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Manezinho Galego e o Caracol


   Sempre gostei de dar voz a coisas e criaturar, principalmente, gosto muito de imaginar um jeito muito próprio de falar para cada ser.Ou entidade?

                                                         
“Era um ente irresolvido entre vergôntea e lagarto. 
Tordos que extrema desterro sentavam nele". 

                                Manoel de Barros
                                         
   
                                                                                                 

Era só mais um dia desses, mata-léguas que sou, estava um pouco carrancudo. Sei lá, sei não - um aperto no relógio do peito.  Um algo atravancado no gogó! Mas isso de se sentir só é parte, é coisa da arte de um bom viver. Pois que tenho o oficio das trilhas: sou vaga-mundo! E o Mundo sabedor de me saber em seu pedregulho mais miúdo.
Sou... De despertar passarinho, no café bebo paisagem. O mundo de que preciso... Ah! este me chama pelos pés. E não vão ser umas caraminholas que vão me desviar do roteiro. A vida me botou incumbência:
- Vai, Manezinho Galego! Marcar com as tuas pegadas as minhas distâncias... Disse ela, a Mãe das Criaturas e obedeço.
Foi aí que tropecei no vivente. Reticente, é caracol! Solidade -  assim burro quando foge, a sua cor. Inquietava-se em um relato naquela data. Mas ninguém entendia nada. Hoje tem a coloração das levezas.
Do encontro comigo teve-o a princípio como insídia e foi logo dizendo:
- Sou vira-mundo de destino. E explicou: que pena amigo, eu estar assim, nessa palidança.  Ah!... Queres um pouco de água da fonte? Tenho aqui umas cerejas!
- Deixe pra lá esta gastronomia e conte logo tuas andanças.
- Sou um só, mas antes era dois que eram um. Gostava de viajar... Tenho uns parentes no mar... – Quer alecrim?
- Deixe de disquisições, quer assustar meu juízo? Conte tudo e não enrole.
E foi o caracol desenrolando-se em um  palavreado, entrecortado de estórias e ervas perfumosas.Contava de seu destino uns dramas.
- O fato amigo, é que naquele dia passou por mim um tipo cenhoso: Jacinto com manjericão? Hum..., isso me faz flutua... Minha essência favorita e a sua? – Mas, mas como eu ia dizendo seu moço, o tipo esse, cendrado dos bigodes às unhas dos pés. Feito um matabelê, fugido de um tempo lá dos atrás, me aplicou um cangapé!
- Mas que pérfido. Miserável! Isso me aborrece de horror, cruelinjusto.
- “Isso é uma lesma, que nojo!”. E vi o mundo rodar...

Eu fiquei por ali pensando. Será que foi aí que teve início esses caracoleios? Mas é certo que ia levando a vida com graça e sem pressa. Até admito que tive uma pitada de ciúme. Eu que às vezes sou tão pesado e aflito! Mas O lá de arriba há de me perdoar!
E continuou... Disse que ama as fontes. Diz fonte e suspira. A palavra inverno lhe dá calafrios. E digo mais, se parece com Jô-Estrela, Juvenal meu amigo, tem umas de muitos tempos datas.
Desde aquele encontro até hoje estamos amigos. Foi morar lá em casa. Pegou gosto pelo jardim e pôs ponto final nas andanças. Mas sempre que saio pra lida, o Zé me pede um girassol.
Pero, já rodei muita estrada... E nada de encontrar esse carrossel de beija-flor. E como volto de mãos vazias, ele me acusa de ser relapso a seu afeto. E até acusa a si mesmo de ser um minúsculo, coisinha de desimportânca. Ah, isso ofende o meu bem-querer. Foi então que fiz uma proposta:
- Te dou uma rosa verde e faremos um de três!
- Caramba! Ce, cê... Cê tá falando sério?
Foi da palma da minha mão com asas que nunca vi a quinta dimensão e voltou pra me dizer:
- Esse, esse é! É... É o dia mais feliz de nossas vidas, não é Mané? Foi dizendo o Zé e repetia-se, fazendo dança de caracol.
- Caramba! Agora digo eu: o mundo está de caotizar... Não é que nesse momento me apareceu um desgranido! Abana a minha cara com uns míseros caraminguás. Pensa que é só chegar e levar o Zé da Rosa.
- Cai fora coisa ruim. Aqui o que um dia foi micro-afeto, hoje é história de amor-afetado. E de tontos amares por esse mundão.
E o caracol se absorve todo em ter protetor:
- E olha, que nem sei lhe dizer do tanto bom que é ter amigo: andar mais sozinho, não! Mais ser eu e o Mané, passarinhos... que temos os dois  companhia de amizade grande.


                                   
                                                                  

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